(imagem retirada da internet)
Base das Lajes – a aculturação
As negociações para a renovação do Acordo das Lajes têm sido, actualmente, um dos assuntos de política externa portuguesa que mais dúvidas tem levantado. A hipótese da diminuição do destacamento dos EUA em solo terceirense e a consequente diminuição de emprego dos locais na Base, é um tema que afecta a sociedade terceirense.
Desde o seu início, em 1943, que a presença de estrangeiros na Terceira afectou o quotidiano e o modus vivendi da população. A interacção entre povos de hábitos tão diferentes afectou a cultura local.
Neste domingo, saiu uma reportagem no Diário Insular (jornal local), sobre a presença estrangeira na II guerra…aqui vai as passagens sobre a minha entrevista e os meus estudos sobre a presença britânica, visto que foram os primeiros estrangeiros a usufruir da concessão de facilidades nos Açores.
“Francisco Miguel Nogueira é autor de uma tese de mestrado sobre o impacto da presença britânica na ilha Terceira no período da II Guerra Mundial. Também ele destaca as alterações na economia. "A presença militar foi importante, no que diz respeito ao estabelecimento da base, à construção do aeródromo, ao aumento dos salários, ao convívio entre dois povos diferentes. O lado mais negativo foi o aumento drástico do custo de vida, porque estamos a falar de um povo com muito maior poder de compra do que o português. Depois, havia mais dinheiro, mas menos produtos, porque, por exemplo, a Base das Lajes foi construída numa zona muito boa em termos de produção de cereais e perdeu-se esse imenso terreno para a agricultura", assinala. "Havia uma Comissão de abastecimento que controlava a venda de produtos aos estrangeiros e também se gerou um mercado negro. As pessoas passaram fome, nesta altura... Os ovos, que custavam seis escudos a dúzia, passaram a custar o dobro, por exemplo... Apesar de haver crescimento dos ordenados, existiam poucos produtos e era sempre preferível vender aos estrangeiros, porque estes podiam pagar mais", acrescenta.
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A presença militar na Terceira no tempo da II Guerra Mundial trouxe alterações também descritas por Francisco Miguel Nogueira, na tese de mestrado que desenvolveu no seio do ISCTE.
Para além das oportunidades de negócio e do impacto na escassez de produtos que se fizeram sentir na ilha, houve mudanças no campo do desporto, da cultura e até algumas cenas caricatas.
"Deu-se um grande incentivo ao desporto, havia torneiros entre militares portugueses e estrangeiros. Há um episódio curioso: Como os portugueses eram muito bons jogadores, ao ponto dos ingleses ficarem humilhados, estes trouxeram para cá jogadores da seleção inglesa. Protegia-se, assim, os jogadores e foi assim que começaram a ganhar jogos", afirma.
No campo da cultura, uma vez por semana exibiam-se filmes. O som do jazz espalhava-se pela ilha. Os terceirenses habituaram-se ao velho costume inglês do chá e bolachas... "Quando aviões caíam, a população portuguesa ia ajudar em troca de bolachas e chá. E quando viam algum britânico caído no chão, bêbedo, levavam-no de volta ao acampamento em troca também de chá e bolachas", adianta Francisco Miguel Nogueira. E o "carro dos vadios", também conhecido como "carro dos cães" (numa referência ao que recolhia cães abandonados) ia buscar os militares que causavam problemas para os levar de volta à base.
«Também houve muitas cenas de pancadaria, porque os ingleses sempre gostaram muito das raparigas terceirenses... Na zona do Cabo da Praia, onde as raparigas iam tomar banho, com roupa adequada à época, eles costumavam vigiar. Além disso, como ainda hoje é um pouco costume, as mulheres gostavam muito de ir à janela ver quem passava. Os ingleses não entendiam e pensavam que era prostituição... Também nos bailes e festas tentavam namorar raparigas e geravam-se conflitos", relata.
Com milhares de militares na ilha e muito poucas mulheres, Salazar deixou que se instalasse a prostituição e até foi criado um sistema de cuidados médicos para travar a propagação de doenças venéreas. Os americanos viriam a aprender com a experiência britânica e, quando se instalaram na ilha, os militares trouxeram as esposas. Francisco Miguel Nogueira cita Manuel de Sousa Meneses, segundo o qual às segundas e quintas-feiras estavam autorizadas as atividades amorosas dos britânicos, sendo as terças e sextas dos americanos e as quartas e sábados para os portugueses. "Domingo é dia de penitência para todos", escrevia o historiador.
Na sua tese de mestrado, Francisco Miguel Nogueira incluiu excertos de um folheto distribuído aos soldados britânicos que rumavam à Terceira. Aqui fica uma pequena parte:
VOCÊS VÃO A CAMINHO DOS AÇORES
Não como invasores, mas como convidados dos Portugueses. Vocês são, de algum modo, os embaixadores da Pátria e vão continuar as tradições de uma antiquíssima amizade.
No Arquipélago dos Açores, que é considerado parte integrante do Portugal Metropolitano, o povo, aliás como o de Portugal Continental, tem sido sempre a favor dos Britânicos. Vocês vão ser recebidos como amigos e, sendo assim, devem ter especial cuidado em não abusarem dessa qualidade.
Os Portugueses são gente simples, mas têm o sentido da honra e são sensíveis a tudo o que lhes diga respeito ou ao seu país. Lembrem-se acima de tudo de que os Portugueses são um povo de maneiras delicadas. Vocês devem, portanto, aproveitar todas as oportunidades de mostrarem também a vossa gentileza.
Os Portugueses são vagarosos na sua maneira de ser. Sejam pacientes em todas as ocasiões. Lembrem-se de que, nesta parte do Mundo, as palavras "fura-vidas" não existem e o tempo não tem importância de maior. Muito dependerá do vosso comportamento. Sendo cuidadosos com a vossa conduta em geral, vocês não só ajudarão a missão de que foram incumbidos mas também contribuirão para um mais íntimo entendimento entre Portugal e a Grã-Bretanha".»
Diário Insular, 11 de Março de 2012
É preciso viver o passado para construir o futuro!
Francisco Miguel Nogueira
Hoje quem manda é o Historiador Francisco Miguel Nogueira!
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