domingo, 17 de março de 2013

Crónicas 10 minutos - Fragmentos escritos

(imagem retirada da internet)




O mundo real e as crianças/jovens

Nunca ninguém conseguirá ir ao fundo de um riso de criança.
Victor Hugo 


Eu cresci numa pequena casa típica açoreana, caiada de branco com muros baixos, também eles brancos. Tinha jardim na parte da frente, com roseiras e outras flores que floriam na Primavera e no Verão tinha até direito a uns morangos, nascidos dum morangueiro selvagem e acidental que nascera debaixo de uma roseira. 

Na parte de trás tinha o quintal, esse lugar mágico, palco de fantasias infantis e inocentes, porta para outros mundos e outras gentes inventadas, nascidas de uma imaginação fértil. Tive até direito a uma figueira que se podia subir e descer e imaginar ser casa de duendes e fadas, e a terra lavrada e plantada pelas mãos de meu pai, terra esta que muita hortaliça deu. Foi aqui neste espaço que cresci, rodeada dos meus pais e dos meus avôs, presença assídua na minha educação. Uma infância idílica? Não consigo responder a isso. Posso apenas dizer que foi perfeita para mim. 

Os meus pais eram trabalhadores, a minha mãe nas lides domésticas, figura presente, autoritária mas securizante; o meu pai nas lides do corte da madeira, trabalho duro que nunca lhe endureceu o coração e que deixava a filha pintar-lhe os pés com canetas de colorir enquanto ele usufruia do seu descanso merecido. 

Não cresci com muitas coisas nem fui habituada a dar-lhes importância. Fui a última dos amigos a ter telemóvel (daqueles enormes!), a última a ter tamagochi (quem se lembra?), a última a ter computador (só na universidade). Nunca tive consolas de jogos, ao invés disso tive bonecas, depois jogos e finalmente livros. Ai, os livros. Esses sim me faziam falta. Eram portais para terras tão diferentes da minha. Mas deixemos isso, que os livros davam outra crónica. 

Foi assim que cresci, pobre mas sem nunca me faltar comida, cama, amor e, acima de tudo, liberdade para aprender a ser eu mesma. Tive espaço para explorar a minha imaginação, para criar histórias, para descobrir que o mundo era um espaço mágico antes de saber que ele não é assim tão mágico. Tive tempo para crescer, mas crescer na hora certa. Sei que outros não foram tão sortudos. Sei que muitos se identificam comigo. 

Não é esta a infância ou juventude que vejo agora. Tudo bem, o mundo muda e nós temos de mudar com ele, mas mete-me bicho ver crianças de cinco anos com telemóvel. Os pais dirão que é uma necessidade. Eu acredito que é necessário um certo afastamento do cordão umbilical para a criança crescer. 

Qualquer criança pequena tem computador, playstation, PSP, nintendo, ipad, etc. Passam mais tempo com a televisão e com os auriculares do ipod nos ouvidos do que com os pais ou avôs, essa fonte inesgotável de sabedoria. Faz-lhes falta o ar livre, tão livre que quase acreditávamos ser capazes de voar. 

Hoje as crianças querem ser atrizes, engenheiras, técnicas, cirurgiãs. O que aconteceu a querer ser bombeiro, médico, cabeleireira? Aumentou-se as ambições? Talvez. Mas as crianças nem sabem o que faz um engenheiro… Pior ainda é quando não querem ser nada ou então querem ser ladrões (como já ouvi). Falta-lhes o sonho, o acreditar que não existem impossíveis. E quando as nossas crianças deixam de acreditar nisto, o que acontece à nossa sociedade? O que é que isso diz da nossa sociedade? 

Acho que as crianças, hoje, crescem depressa demais. A culpa não é delas: é de um mundo consumista que lhes exige cada vez mais. Que lhes vende sexo e drogas no horário nobre da televisão e nas músicas que ouvem. Que lhes diz que nunca são suficientemente bons, populares, bonitos, inteligentes… 

É demasiada pressão para uma criança/jovem. E depois é vê-las com catorze anos e mini-saia nos bares e eles com sete anos e cigarro no canto da boca. Crescem demasiado depressa mas não crescem bem. E isto sei eu bem, que trabalho diariamente com adolescentes institucionalizados. Falta-lhes os livros, a liberdade de crescer em segurança, o sentido de aventura, a imaginação, o amor simples e puro. Falta-lhes ser crianças! 



Seja você mesmo, seja livre! 
Crónica de Márcia Leal 


P.S. Esta crónica estará em destaque aqui no blogue até a próxima crónica para dar oportunidade de todos os visitantes lerem e darem opinião sobre a mesma. O seu comentário é importante, PARTICIPE! 


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