segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

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(imagens retiradas da internet)




Telemóvel: proibir ou educar?

A esmagadora maioria dos jovens portugueses tem telemóvel e começa a usá-lo cada vez mais cedo. Os benefícios podem ser fascinantes mas os perigos não devem ser esquecidos. Também aqui só a educação pode minimizar os riscos.

“A futura geração precisaria de uma anatomia diferente. Pelo menos duas bocas e quatro ouvidos, por cada indivíduo, para otimizar as comunicações móveis (e quatro polegares, acrescentamos nós). Apesar desta mutação genética não ser possível, por enquanto, as operadoras de telemóveis não devem desesperar. Há quotas de mercado por preencher. Dois terços das crianças do primeiro ciclo aguardam ansiosamente. Trinta por cento das de dez anos vegetam na pré-história das comunicações. A multidão dos berçários e infantários também. E, nas maternidades, os recém-nascidos ainda não conseguem comunicar por telemóvel!” O professor e escritor José Alberto Quaresma ironiza, assim, no seu blogue de educação Falta de castigo, o número excessivo de crianças que já possui telemóvel. E os dados dão-lhe razão. Segundo o estudo Fórum da Criança 2009, 12% das crianças dos quatro aos seis anos já tem telemóvel. A percentagem sobe para os 55% entre os sete e os dez anos e atinge os 89% nas crianças de onze e doze. Helena Fonseca, coordenadora do Núcleo de Medicina de Adolescentes do Hospital de Santa Maria, confirma: “Atualmente, no primeiro ciclo, já encontramos imensas crianças com telemóvel, o que é impressionante! Cada família deve definir bem qual é a idade em que pretende dar um telemóvel ao seu filho, independentemente das pressões que existam por parte da criança. A maioria das vezes a utilidade do telemóvel é nula”. E aconselha: “Admito que possa haver situações pontuais, como doença ou razões geográficas, que o justificam, mas são exceções. Na minha opinião, as crianças não devem ter telemóvel antes dos 12 anos”.

De brinquedo a parte do corpo

Muitas vezes são os próprios pais que tomam a iniciativa de oferecer um telemóvel aos mais pequenos. Razões de segurança são as mais evocadas. “O telemóvel entrou tão rapidamente na vida das crianças porque os pais entenderam-no como uma forma de controlo dos filhos à distância. A possibilidade de monitorizar a criança faz com que os pais, que são tão resistentes a outras tecnologias, aqui facilitem”, explica Cristina Ponte, investigadora da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora em Portugal do projeto EU Kids Online. Uma espécie de trela eletrónica que, muitas vezes, é oferecida sem a definição de regras básicas de utilização.
Se nos primeiros tempos, as crianças mais novas encaram o telemóvel como mais um brinquedo, usado essencialmente para jogar e receber chamadas da família, com a idade o seu uso intensifica-se exponencialmente. Na adolescência, o telemóvel chega mesmo a ser visto como uma parte do corpo, uma expressão da sua identidade, sem o qual já não imaginam viver. Segundo o estudo “E- Generation: os usos dos media pelas crianças e jovens em Portugal", publicado em 2007 pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, 57% dos jovens concordavam com a frase “sinto-me muito ansioso quando não posso ter o meu telemóvel” e 74,3% consideravam que o telemóvel só lhes é útil se estiver sempre ligado. Aliás, apenas 18,6% declarou que desligava o telemóvel quando estão a estudar, 11,4% durante as refeições e 60% não desligava nem na sala de aula. O uso excessivo pode chegar a níveis de verdadeira dependência. Notícias de tratamento de crianças viciadas a partir dos 12 anos, que têm de reaprender a realizar as suas tarefas sem um telemóvel por perto, dão que pensar. A pediatra Helena Fonseca alerta: “Há miúdos que não conseguem parar de utilizar o telemóvel. Alguns entram no consultório a jogar e continuam durante o tempo todo da consulta. O curioso é que, muitas vezes, se não somos nós a pedir para desligar, os pais acham perfeitamente normal e deixam que a criança nos esteja a responder e a usar o telemóvel ao mesmo tempo!”

Regras essenciais

Margarida Geada é mãe de dois adolescentes de 16 anos. Ofereceu-lhes o primeiro telemóvel aos 12, quando começaram a ir sozinhos para a escola. “Achei que era importante para o caso de eles precisarem de falar comigo. Naqueles primeiros anos, ficava sempre preocupada e assim, ao chegarem à escola, telefonavam-me e confirmava que eles estavam bem. Juntou-se o interesse deles ao meu. Na altura, eles eram os únicos da turma que ainda não tinham telemóvel!” Impôs desde logo algumas regras: “Sou eu que carrego, mas o dinheiro é sempre da mesada deles. Têm que desligar à noite para dormir, quando estão a estudar e durante as refeições, claro. Não sou a favor de proibições irracionais, pois quanto mais limitamos mais eles desejam e mais fazem às escondidas. Estas idades não são fáceis, por isso acho que se deve proibir apenas o essencial”. Helena Fonseca concorda: “Com o avançar da idade da criança, as regras podem e devem ir sendo alteradas. Mas há coisas com as quais os pais nunca devem pactuar, independentemente da idade. Durante o tempo de estudo, às refeições e quando estão a dormir não se está com o telemóvel ligado”.

Novos usos, novos alertas

Mas não basta o alerta para o tempo e contextos de utilização, sobretudo porque o uso que as crianças e adolescentes fazem do telemóvel é completamente diferente do da maioria dos pais. “Muitas vezes, os jovens têm aparelhos muito mais sofisticados que os pais. Quando se coloca nas mãos de um filho um telemóvel que permite tirar fotografias, fazer filmes, aceder à internet e às redes sociais tem que se ter consciência que estamos a dar-lhe uma ferramenta que oferece imensas oportunidades mas que também comporta riscos”, alerta Cristina Ponte. Cyberbullying, acesso a conteúdos inapropriados, risco de encontros com pessoas estranhas, envio e circulação de imagens privadas são alguns dos perigos que os telemóveis herdaram da internet. Com alguns extras: a mobilidade, que proporciona maior privacidade, logo menor supervisão e maior vulnerabilidade e o facto de ser um equipamento que leva as crianças e adolescentes a estarem sempre ligados, sempre acessíveis e prontos para comunicar e responder a estímulos. 
“As crianças e jovens têm um saber técnico incomparável. Mas não é suficiente para que o uso da tecnologia seja correto. Há questões de literacia digital que não se aprendem pelas teclas. Por exemplo, quando uma jovem envia uma mensagem com uma foto mais sedutora para um amigo está a trabalhar numa base de confiança. Mas essa confiança pode acabar e o outro ficou com a sua imagem. Conectando o telemóvel à internet, pode fazer com ela o que quiser”, avisa Cristina Ponte. E defende: “Os pais devem proteger, mas no sentido de capacitar, de educar para a autonomia. E desde cedo, para que a criança mais tarde, quando tiver que tomar decisões, saiba tomá-las de uma forma responsável, tirando partido das oportunidades que estes meios proporcionam”. É como nas piscinas: podemos colocar proteções e até sinais de perigo, mas também ensinamos sempre as crianças a nadar.

Responsabilidade coletiva

A utilização ética, responsável e segura dos telemóveis por crianças e jovens não é uma responsabilidade exclusiva dos pais. Cristina Ponte defende: “O direito de proteção dos mais novos envolve os pais, a escola, as políticas públicas, os reguladores, as empresas de telecomunicações e os fornecedores de serviços. É uma questão social que tem que ser pensada como um todo. Costumamos exemplificar: os pais ensinam os filhos a andar de bicicleta e depois a criança anda sozinha de bicicleta. Mas para que ande em segurança, a estrada não pode ter buracos e os sinais de trânsito têm que estar bem identificados. Isto é, há outros contributos necessários para promover a segurança”. 
Em 2007, vinte e seis operadores móveis assinaram o Acordo-Quadro europeu para a utilização mais segura dos telemóveis por adolescentes e crianças, onde concordaram apoiar: campanhas de sensibilização junto de pais e crianças; o controlo do acesso a conteúdos para adultos; a classificação de conteúdos comerciais e o combate aos conteúdos ilegais nos telemóveis. Passados dois anos, avaliada a aplicação desse Acordo, a comissária europeia Viviane Reding alertou: "A proteção dos menores não é um luxo. É indispensável para que as novas tecnologias de comunicação sejam aceites na sociedade europeia. Os operadores móveis têm de ser ainda mais ambiciosos e tomar medidas para proteger os menores de forma mais efetiva em todos os países europeus e também para tornar a classificação de conteúdos mais transparente". 
Cristina Ponte sugere algumas iniciativas que poderiam ser levadas a cabo: redefinição dos tarifários para este target, que são um incentivo claro a uma utilização do telemóvel quase sem limites; uma maior capacitação dos professores e dos currículos para saberem lidar com estas novas realidades; a criação de guias parentais de aconselhamento; o envolvimento das associações de pais na promoção de encontros de formação e troca de experiências e a criação de uma linha nacional de ajuda aos pais. Atento a estas questões, o Governo britânico já anunciou que, a partir de Setembro de 2011, a segurança online (que inclui os telemóveis) fará obrigatoriamente parte dos currículos a partir dos cinco anos de idade. Em Portugal, segundo Cristina, “somos um país que está quase a acordar para esta temática”. 

Mais desafios

Com estas novas realidades, as exigências em termos de educação aumentam. Quase sem rede, os pais com filhos agora adolescentes desbravam caminho e não têm, pela primeira vez, avós para se aconselharem. Mafalda Folque tem cinco filhos, com idades entre os 20 e os nove anos: “Já senti várias vezes essa insegurança. Falo muito com amigos, família e colegas. Acho que somos os primeiros pais a levar com este embate dos telemóveis, internet e tudo o que vem por arrasto… mas temos que saber viver com isso. Saber dosear e falar muito com eles. Meter a cabeça debaixo da almofada ou protegê-los demais de nada serve. Mas sim falar, falar, falar e desmistificar as coisas”.
Imprescindível para alertar é conhecer, por isso, por mais que lhe custe, é essencial fugir à tecnofobia. Aprenda a escrever mensagens, a enviar uma fotografia, a criar um perfil no Facebook ou partilhar ficheiros por Bluetooth. É impossível guiar os filhos no que se desconhece. E se não souber, por que não pedir aos mais novos para lhe ensinar? “Acho que é muitíssimo salutar e não significa uma perda de autoridade pedir ajuda tecnológica aos filhos. Os pais devem perguntar: como é que isto se faz? E dizer: não és tu a fazer por mim, ensina-me como fazer. E depois treinar. É uma forma dos filhos verem que eles estão interessados no seu mundo e de diminuir o fosso entre gerações”, reconhece Cristina Ponte.

Equilíbrio precisa-se

Mas não nos esqueçamos das vantagens. Num dos programas promovidos pelo site de referência www.childnet.com, encontramos um cartoon que nos lembra a necessidade de equilíbrio: um adulto pergunta a outro - “Sabes qual é o maior perigo da internet? Concentrares-te apenas nos perigos e esqueceres os benefícios”. Cristina Ponte elogia: “O telemóvel traz também grandes vantagens. A possibilidade do jovem estar ligado ao mundo, aos familiares, aos amigos, a todo um mundo de informação. É também um meio de expressão muito criativo e é importante tirar partido dessas potencialidades mesmo em termos educativos”.
Eduarda Ferreira, psicóloga na Escola Secundária Sebastião da Gama, em Setúbal, tem sido pioneira na defesa do chamado m-learning. “Uma das vantagens do uso do telemóvel enquanto recurso educativo na sala de aula é o facto de ser um objeto que os jovens adoram. Têm uma ligação afetiva com ele fortíssima e uma motivação enorme para a sua utilização, que é o que falta aos jovens na escola – motivação e interesse. O telemóvel permite a passagem entre o exterior e o interior da escola. Estudos mostram que os jovens têm uma atividade imensa ao nível de produção de blogues, conteúdos para a internet, redes sociais e nada disto é falado e usado na escola. Parece que os jovens têm uma vida paralela. Têm que se arranjar pontes de ligação”. Vários estudos e práticas de m-learning em todo o mundo apresentam provas positivas em termos de motivação e resultados. “O professor precisa é de um grande planeamento para a sua utilização e as atividades propostas têm que ser muito bem estruturadas e testadas”, reconhece Eduarda. E termina com um apelo: “Invadir o país de tecnologia é ótimo, mas é necessário que os mais novos saibam utilizá-la e geri-la. É necessário investir na educação para a segurança, para o risco e para a tomada de decisão que é transversal e tão necessária a uma série de áreas fundamentais da vida do jovem”.

É melhor prevenir

Não esquecer: estas questões não são uma conversa para se ter apenas uma vez, pois a tecnologia e os serviços estão sempre a ser atualizados.

• as consequências em termos de saúde não estão comprovadas, por isso encoraje o seu filho a fazer chamadas curtas, a privilegiar os sms e a usar auricular;
• defina regras em relação à compra de serviços como músicas, toques, vídeos e acesso à internet, para evitar gastos excessivos;
• avise-o para nunca dar o número de telemóvel ou dados pessoais a desconhecidos, não responder a mensagens de pessoas que não conhece e não atender chamadas de números não identificados;
• não deve gravar dados pessoais nem contactos alternativos na mensagem do voice mail;
• manter o Bluetooth desativo;
• nunca marcar encontros com estranhos que contacte em chats, redes sociais ou mensagens de telemóvel;
• relembre-lhe que há conteúdos impróprios que podem incomodar até os adultos e encoraje-o a contar-lhe se alguma vez for confrontado com eles, seja no seu telemóvel seja no de amigos;
• nunca tirar fotografias ou fazer vídeos que possam embaraçar outras crianças e jovens e muito menos enviá-los para outras pessoas, mesmo que sejam amigos;
• alertar para que todos os conteúdos enviados por telemóvel e colocados nas redes sociais tornam-se públicos e visíveis por qualquer pessoa;
• se alguma vez receber uma chamada ou mensagem ameaçadora, partilhar logo consigo ou com um professor;
• em caso algum deve fazer chamadas de emergência para o 112, sem necessidade real;
• não andar com o telemóvel visível para evitar roubos;
• chamar a atenção para que nunca deve responder a mensagens publicitárias e que nunca deve aceitar ofertas comerciais.



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