segunda-feira, 6 de maio de 2013

(com)partilhar!

(imagens retiradas da internet)




O pesadelo das más companhias

As «más companhias» são um dos grandes medos de quem tem filhos na adolescência, um período em que estão muito vulneráveis. Vigilância, diálogo e muita compreensão são as chaves para lidar com os problemas que aparecem.

A princípio os pais não desconfiaram de nada. Tinham chegado à praia para onde iam desde sempre e Miguel, 11 anos, apressou-se a juntar-se aos amigos do prédio com os quais brincava desde que sabia andar. Todos um pouco mais velhos – 14, 13 e 12 anos – é verdade, mas não parecia haver razões para preocupações. Afinal, conheciam-se desde pequeninos, as famílias cumprimentavam-se, os rapazes andavam sempre por ali, pelo pátio, pelas garagens, pela praia em frente, pelas casas uns dos outros. Mas pequenos incidentes começaram a alterar a ordem natural das férias. Dinheiro que ficava em cima da cómoda e desaparecia, cigarros que o pai achava que ainda tinha e afinal não estavam lá. Miguel negava qualquer participação nestes «desaparecimentos». Os pais reforçaram a vigilância. Repararam que Miguel e os amigos se «escondiam» na entrada em curva da garagem, de onde quase ninguém os podia ver, que essas reuniões eram muito frequentes e que os rapazes «desfaziam» o grupo quando alguém se aproximava. Os pais resolveram inspecionar o pequeno canto da garagem onde os rapazes se reuniam e confirmaram as suas suspeitas: o chão estava juncado de beatas. Encostaram Miguel à parede. Que acabou por confessar que tinha tirado o dinheiro e os cigarros para «dar ao Eduardo e ao Tiago», os dois mais velhos do grupo, que depois faziam demonstrações da sua experiência perante o espanto embasbacado dos mais novos, instados pelos dois mais crescidos a arranjarem o «material». Os pais de Miguel perceberam que o filho nunca tinha sequer experimentado fumar, que fornecia dinheiro e cigarros porque isso lhe dava estatuto junto dos mais velhos e o fazia sentir-se importante e membro de pleno direito do grupo. E perceberam também que o dinheiro não ia só para cigarros. Na sua ingenuidade, Miguel contou que também «derretiam» bocadinhos de umas pedras para juntar aos cigarros, o que prenunciava outro tipo de experiências para as quais o filho acabaria inevitavelmente por ser aliciado. Miguel não foi castigado. Os pais tiveram com ele uma conversa muito séria, em que lhe explicaram que o que tinha feito era «roubar» (Miguel não achava o «crime» muito grave, já que de algum modo sentia que o que era dos pais era dele), disseram-lhe que se ele quisesse mesmo fumar (apesar de saber todos os perigos para a saúde que o fumo implica), seria preferível pedir um cigarro ao pai e, sobretudo, tentaram que Miguel entendesse que estava a ser manipulado pelos dois mais velhos e que aquilo que os unia não era propriamente amizade. Não precisaram de o proibir de estar com os outros rapazes, nem de fazer grandes dramas acerca do que tinha acontecido. Miguel acabou por se afastar do grupo de forma voluntária, talvez envergonhado pelo que tinha feito ou talvez porque tivesse percebido que tinha sido usado.


Merecer a confiança dos filhos

O incidente com Miguel pode não ser propriamente um caso grave de «más companhias». Mas poderia vir a ser, caso os pais não tivessem percebido o que se passava. Ou se os pais tivessem agido de outra maneira, ou se o proibissem de estar com os amigos. Eventualmente, o facto de ter acontecido numa idade em que Miguel ainda conta com os pais para lhe resolverem os problemas pode ter ajudado a lançar as bases para uma relação que poderá ser muito útil à medida que Miguel vai crescendo e entrando em pleno na adolescência, em que estará a escolher as companhias e a optar pelos caminhos que quer seguir por sua conta e risco.

Eva Delgado-Martins, psicóloga educacional que este ano publicou «Casa de Pais... Escola de Filhos» (Livros Horizonte), organiza regularmente encontros a que chama «Conversas com Pais», onde os participantes expõem e debatem as suas dúvidas, medos e angústias em relação à educação dos filhos. Sente que a questão das companhias (e o receio das «más») se encontra entre as grandes preocupações de quem tem filhos adolescentes, que começam a sair e a andar sozinhos. Para Eva Delgado-Martins, este é um período em que os pais têm de saber merecer a confiança dos filhos e em que não podem ter medo de expor aos filhos o que os preocupa: «Quando os pais estão preocupados e o exprimem, estão a revelar amor e preocupação com os filhos. Levá-los a refletir sobre as motivações e descobrir as razões em que se baseiam permite chamar a atenção para pontos de vista que os filhos não tinham considerado. Um clima de confiança implica que, quando têm má impressão dos amigos dos filhos, os pais exprimam a sua opinião com frontalidade. Simultaneamente devem esforçar-se por perceber os gostos e as preferências dos filhos. A confiança e intimidade fornecem uma base favorável para conhecer os amigos, as suas atividades, e permitem não bloquear o espaço necessário à experimentação social».

Saber ouvir os filhos é fundamental. Os pais têm de ter cuidado quando eles estão a falar do problema de um amigo. Muitas vezes, «o amigo» são eles próprios e estão apenas a testar os pais para saberem até que ponto podem contar com eles. Eva Delgado-Martins sugere aos pais que façam um esforço para verem os filhos e os amigos para além das aparências e que tenham paciência e contenção na forma como abordam as questões com os seus adolescentes: «É de evitar comentários mal fundamentados ou baseados em aspetos físicos, como o penteado, a forma de vestir, o uso de piercings, que criam discussões inúteis. Só se deve intervir quando houver informações factuais de confiança sobre comportamentos indesejáveis das companhias dos filhos (consumo de drogas, atitudes antissociais, etc.), altura em que se justifica discutir o assunto com eles».


Incentive-os a convidar os amigos lá para casa

Os pais devem incentivar os filhos a levarem os amigos a casa. Trazerem voluntariamente e de forma natural os amigos é sinal de que não há muitas razões para preocupações: «É muito importante e é uma forma de se desfazerem ideias erradas sobre as pessoas – às vezes um amigo cheio depiercings que para os pais é um símbolo de malfeitor revela-se uma pessoa encantadora e com uma ótima formação. Quando os adolescentes convidam os amigos para sua casa estão a dizer que confiam nos pais. Proibi-los de se darem com os amigos ou proibi-los de se vestirem de determinadas maneiras não leva a nada. Nós podemos não gostar, mas é bom que pais e filhos falem sobre os motivos de discordância. Proibir não é em geral boa opção. A proibição sistemática dificulta o diálogo e por vezes conduz à mentira. Pode até acontecer que a proibição estimule a vontade de continuar com a amizade proibida». Mas, diz a psicóloga, «se os pais perceberem que os filhos correm riscos (droga, abuso sexual, maus tratos, etc.), não devem hesitar em proibir o relacionamento e ter uma conversa franca sobre o tema baseada nos valores da família e nos valores que lhes pretendem transmitir. Nunca devemos partir do princípio de que os nossos filhos estão isentos de responsabilidades».


A crise potencia comportamentos desviantes

João Castelão, professor do Secundário numa escola dos arredores de Lisboa, está muito habituado a lidar com adolescentes, os seus problemas e as suas famílias: «A adolescência é sempre um período complicado e nos tempos que correm a adolescência dura mais tempo do que há uns anos. Precisamos de ter sempre presente que a adolescência é um período em que os jovens estão a construir-se a si próprios e nesta fase de construção são muito vulneráveis». Para este professor, os 14/18 anos são o período mais complicado, «é quando começam a ter uma grande autonomia da família e o grupo tende a ter uma grande importância, já que ao afastarem-se da família procuram outras referências, o que é importante, mas muitas vezes é aí que começam os maus comportamentos. E às vezes tem-se azar no grupo... São quatro anos muito complicados. O 8º ano é a pior fase, já não são pequenos e acham que sabem tudo. Aos 18 anos tudo melhora, começam a perceber o que é o mundo, a despertar para a vida adulta».

João Castelão sente que um adolescente está a ser negativamente influenciado «quando se desvia de um percurso que podemos considerar correto. Quando há um desvio nesse percurso eu considero que está a sofrer a influência de más companhias. E um miúdo que tem um comportamento desviante precisa de alguém que lhe diga que o entende, que o pode ajudar – os professores têm um papel muito importante nisto, é na escola que muitos miúdos passam a maior parte do dia».

A crise que vivemos potencia o aparecimento de comportamentos desviantes, acha João Castelão. Muitos jovens vivem em lares onde os dois pais estão desempregados e o ambiente é péssimo. Outros, têm mães que mal vêem, porque a falta de emprego as faz aceitar trabalhos de limpeza em grandes empresas de onde têm de sair às sete da manhã e onde só voltam a entrar às oito da noite, trabalham nas horas em que podiam estar com os filhos. «Por isso é que eles gostam de estar na escola – não nas aulas – porque é onde encontram conforto, atenção e companhia. Neste contexto, se aparecer um brigão, um dealer, será com certeza um herói e terá grande facilidade em os manipular».

Há que não fazer do assunto das «más companhias» um drama, mas toda a atenção é fundamental. Os nossos filhos estão a crescer, correm para a sua autonomia, dão os primeiros passos em direção à vida adulta... mas não deixaram ainda de ser crianças. E de precisar dos pais, da sua ajuda e, sobretudo, da sua compreensão.


SINAIS DE ALERTA

  • alterações de comportamento, que ganham caráter de permanência
  • sonolência a toda a hora, não estarem ativos (podem estar a consumir alguma coisa).
  • quando a família estabelece horários e eles não os respeitam (é o grupo que não deixa, que os manipula, indicia falta de controlo).
  • desinteresse pelas atividades que até aí os motivavam, como a música, a dança, a ginástica, o futebol, o judo (pode ser um desinteresse motivado pelo grupo).
  • irritabilidade permanente.
  • grande agitação.
  • tristeza profunda (não aquela tristeza pontual que os adolescentes muitas vezes mostram).
  • quando começam a ser agressivos
  • quando não mostram vontade de que os pais conheçam os amigos.


COMO AGIR

  • é preciso conseguir comunicar, fazer com que o adolescente partilhe as suas preocupações.
  • o diálogo é fundamental, é a única forma de fazer evoluir as situações de forma positiva.
  • os pais têm de tentar compreender os pontos de vista dos filhos (afinal, os pais não têm de ter sempre razão), mas devem tomar de imediato medidas drásticas se tiverem razões para pensar que os filhos correm riscos (drogas, abusos sexuais, maus tratos).
  • é crucial que o jovem perceba que pode confiar nos pais, que pode contar com eles para o ajudar a resolver os seus problemas. Os pais devem ser «todos ouvidos» se os filhos começarem a contar os problemas dos «amigos» - o mais provável é que seja o problema deles.
  • os pais não devem hesitar em pedir ajuda especializada se sentirem que não conseguem lidar sozinhos com a situação.



MEIO CRESCENTE - Ideias em movimento!

Sem comentários:

Enviar um comentário