domingo, 14 de abril de 2013

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(imagem retirada da internet)




Repensar os TPC?

Os trabalhos para casa tornaram-se num hábito. Longe de serem consensuais, continuam a ser uma questão pertinente, que poderia ser mais discutida por todos os interessados.


Maria José Araújo, docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, lançou em 2009 o livro “Crianças Ocupadas”, no qual colocou na ordem do dia, entre outros, o tema dos trabalhos para casa. Defendia que a maioria se resumia a um tipo de trabalho mecânico, excessivo e repetitivo, que não ajuda as crianças a valorizar a escola nem a criar um sentimento positivo em relação ao ato de aprender. Passados dois anos, a sua opinião mantém-se, no entanto nota “um grande interesse em discutir esta questão”, o que considera “excelente”. Como a própria resume: “A educação diz respeito a todos e este assunto interessa aos pais, professores e aos próprios miúdos. É bom que seja conversado em conjunto”. De facto, é surpreendente que muitas das atividades pedidas sejam iguais às de 50 anos atrás, com a agravante de uma tendência para um acréscimo do seu volume. Dulce Gonçalves, psicóloga educacional, professora e investigadora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, confirma: “Há cada vez mais pais conscientes de que os TPC são excessivos. Há famílias em que, ao fim de semana, veem a sua cozinha ou sala de jantar transformadas em verdadeiros centros de estudos. Não é suposto passarem todo o tempo que têm para estarem juntos com essas atividades”. Este acréscimo parece justificar-se pela associação de quantidade a sucesso escolar. “Há uma tendência em pensar-se que a melhor escola é aquela que é mais exigente e a mais exigente é aquela que passa mais trabalhos para casa”, descreve Dulce Gonçalves. Maria José Araújo contrapõe firmemente esta conceção: “Se fazer muitos TPC conferisse muito sucesso na escola, não havia insucesso!”


Mais do mesmo

Ana Duarte é educadora social num Centro de Atividades de Tempos Livres, lidando diariamente com esta questão, junto de um grupo de crianças com idades entre os seis e os 13 anos. Reconhece que o apoio à realização dos TPC passou a ser uma exigência parental que transforma estes centros em verdadeiras extensões da escola. Além da quantidade excessiva, que leva a que estejam horas à volta das tarefas, critica o tipo de atividades pedidas: “Quem está diariamente com as crianças a realizar os TPC, rapidamente percebe que a sua estrutura nada valoriza o aproveitamento escolar pois é uma aprendizagem muito centrada no treino e na repetição dos conteúdos que já foram lecionados (ou não) dentro do horário escolar. Muitas vezes resumem-se a cópias de textos, de palavras, à escrita e repetição de tabuadas e é usado, muitas vezes, como castigo quando os alunos se portam mal nas aulas, legitimando a associação dos TPC a um fardo”. Oportunidades perdidas. Como a psicóloga Dulce Gonçalves refere, o problema não são os TPC em si, mas o tipo de atividades: “A grande mais valia não é a mera repetição do procedimento que se fez na escola, é a generalização das aprendizagens para outros contextos ou para outras matérias. Mesmo quando se trata de mecanizar e automatizar, só temos a garantia que a aprendizagem está de facto sólida quando experimentamos diferentes formas, jogos, abordagens, estratégias”.


Caminhos diferentes

Felizmente, já surgem vários professores empenhados em propor desafios mais interessantes. Pequenos trabalhos de componente eminentemente lúdica, que promovem a interação da criança com os restantes elementos da família, que não consomem muito tempo e que podem ser um estímulo para todos. Ana Santos, mãe de quatro filhos, recorda-se de um em especial: “Lembro-me de um trabalho sobre a Guerra do Ultramar. Convidámos, para nossa casa, um tio do meu marido que lá tinha estado, para uma das minhas filhas o entrevistar. Com ele veio a sua mulher, duas irmãs e a filha. Foi um momento único. Filmámos a entrevista, revimo-la em conjunto, recordámos os momentos históricos da Guerra e ficámos a conhecer melhor outros elementos da família”. Dulce Gonçalves confirma: “Há TPC que abrem portas para a família!” E exemplifica: “Pedir ao avô que conte uma história que se lembre da sua infância e escrevê-la, recolher receitas antigas, tirar uma fotografia a um sítio onde a criança costuma passear ao fim de semana e explicar porque é tão bom lá ir”. Pessoalmente, partilha um dos trabalhos que ajudou a filha a fazer: “Um cartaz sobre o local onde os pais tinham nascido. Foi uma oportunidade imensa de conversarmos e de ela me fazer perguntas”.

Os trabalhos para casa poderiam ser também uma hipótese de diferenciação dentro de uma mesma turma, adaptando-se aos diversos contextos dos alunos. Dulce Gonçalves faz algumas sugestões: “Poder haver duas ou três fichas com graus de dificuldade diferentes, usar determinadas recapitulações ou sugerir dois trabalhos de casa e dar a escolher aos alunos qual o que gostavam mais de fazer”. E conclui: “Há tantas possibilidades, que os TPC poderiam ser de facto uma boa ferramenta. O problema é a tipificação generalizada que ainda se tem do que eles devem ou não ser”.


Apoio sereno

Quer perante atividades mais rotineiras, quer mais desafiantes, o envolvimento dos pais é muito importante. No meio de tantos aspetos não consensuais, esta é uma certeza. A sua intervenção deve ser no sentido de criarem um ambiente favorável que estimule a concentração da criança, assumindo-se como guias de apoio. Dulce Gonçalves alerta: “Temo que haja uma tentação parental de fazer o TPC pelo filho, até para o aliviar desse peso. Estudam por ele e depois explicam-lhe. Estamos a inverter o essencial da aprendizagem, que não é o produto, não são os conteúdos, mas sim os hábitos de estudo, compreensão, generalização e aplicação, que vão ser úteis no resto da vida”. O maior incentivo é levar a que a criança faça os TPC o mais autonomamente possível. Ela sabe que pode pedir ajuda mas, quando o faz, tem que dizer concretamente de que precisa. Um dos objetivos é responsabilizar a criança por uma tarefa que vai ter que realizar e dar conta dela na manhã seguinte. Por isso, os pais não devem ceder à tentação de verificar todos os dias a mochila dos filhos para se certificarem se têm trabalhos para casa. “Se uma criança se esquece de fazer os TPC, pode ser educativo ter que enfrentar a professora e assumir isso”, explica Dulce Gonçalves.

Os TPC tanto podem ser facilitadores da ligação familiar como geradores de tensões e conflitos, pelo que há que tomar certos cuidados. Por exemplo, a avaliação parental deve ser sobretudo construtiva. O objetivo é a melhoria contínua e não a perfeição. Um feedback ativador, sereno, sem perder a calma - “Nesta frase tens três palavras que não estão bem escritas. Tenta descobrir quais são” – pode fazer a diferença. Natália Lopes, professora do 1º ciclo, em Odivelas, reforça a importância do acompanhamento parental: “A criança deve sentir que está com alguém a quem pode sempre recorrer e que não vai criticá-la se ela errar. E saber que se não conseguir, não irá ser punida. É muito importante para eles sentirem que os adultos estão a par da sua vida escolar, que os apoiam e que reforçam as suas vitórias”. Idealmente, Natália sugere que os TPC sejam feitos o mais cedo possível, logo que as famílias regressem a casa e num local onde não haja fatores distraidores da atenção.


E brincar?

A atual conjuntura não promete levar a grandes alterações relativamente a este tema. “É normal que a ansiedade dos pais aumente. Querem que os filhos tirem bons cursos e tenham sucesso escolar para conseguirem um emprego no futuro. Essa angústia faz com que invistam muito na escola. É uma verdadeira obsessão. A escola tem muito valor mas não pode ser a vida de uma criança”, defende Maria José Araújo. Nos seus trabalhos de investigação, concluiu que as crianças dos seis aos 12 anos chegam a trabalhar cerca de oito a nove horas por dia. O mesmo horário de trabalho de um adulto. “Não podemos colonizar o tempo livre das crianças só com trabalho escolar. Elas precisam de brincar. É uma atividade tão necessária como respirar. Estudos mostram que crianças que brincam muito são as que têm melhores resultados na escola”. E não precisam de chegar a casa para o fazer. Como descreve a educadora social Ana Duarte, os próprios Centros de Atividades de Tempos Livres poderiam retomar os seus objetivos fundadores e assumirem-se como "oásis de liberdade, onde as crianças desenvolvem a criatividade, a imaginação e crescem enquanto cidadãos críticos e ativos. Refúgios que tentam manter intacto o potencial criativo da criança, sendo um espaço e um tempo em que ela se afasta dos conteúdos escolares para ter liberdade de brincar, sonhar e criar”. E assim aprender. E muito.


DIFERENTES VOZES

Tema de grande visibilidade social, os trabalhos para casa implicam vários protagonistas. Seria de todo conveniente que se juntassem à mesma mesa e conversassem, de forma a definirem-se novas práticas.
  • “Não sou contra os TPC, sou contra o excesso. Como qualquer endocrinologista será contra dar chocolate às crianças, de manhã à noite. Faz mal”. Maria José Araújo, docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto
  • “A escola e a formação académica são fundamentais, mas pai e mãe só há um. O trabalho de casa essencial a fazer com os pais é relacionarem-se com eles”. Dulce Gonçalves, psicóloga educacional
  • “Os TPC permitem aos pais estarem mais a par das vivências escolares dos filhos e detetarem algumas dificuldades com as quais os alunos se estejam a deparar e que nós, professores, em contexto de turma por vezes não nos conseguimos aperceber”. Natália Lopes, professora do 1º ciclo
  • “Há pais que fazem os TPC pelos filhos, há alunos que não os fazem em casa e depois no recreio copiam uns pelos outros, e há aqueles que vão logo às soluções. Muitos ficam aborrecidos pelos professores não darem um feedback e não verem o seu esforço compensado”. Andreia Duarte, diretora pedagógica do centro de estudos How to Study
  • “Para as crianças que os realizam e para os adultos que as apoiam, os TPC são um trabalho repetitivo e pouco atrativo que lhes rouba o tempo de brincar, conviver e descansar”. Ana Duarte, educadora social num Centro de Atividades de Tempo Livre
  • “Os trabalhos de casa são essenciais quando visam a consolidação de matérias dadas ou revisões para testes. No entanto, quando são demasiados, impedem que o estudante crie o seu próprio método de estudo, por falta de tempo”. Ana Santos, mãe com quatro filhos de idades entre os 12 e os 22 anos
  • “É no tempo letivo que as crianças devem trabalhar: sozinhas, a pares ou com o professor. Os trabalhos para casa deviam ser a exceção e não a regra. Elas já passam muitas horas na escola e em outras instituições em atividades orientadas e não têm tempo para desenvolverem atividades da sua iniciativa”. Alexandra Cruz, mãe com uma filha de nove anos
  • “Já me aconteceu os pais pedirem-me ainda mais TPC para os seus filhos!”. Natália Lopes, professora do 1º ciclo

AJUDAR OU NÃO?

Também neste tema não há receitas, mas a psicóloga educacional, professora e investigadora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Dulce Gonçalves, deixa algumas pistas.
  • os TPC são dos alunos, são eles que os têm que fazer. Os pais devem deixar bem claro que eles já fizeram aquele ano de escolaridade. Podem ser um apoio, mas não mais do que isso;
  • as crianças devem fazer a maior parte do TPC sozinhos, sem ajuda. “É preocupante quando um pai diz: “Ele não começa a fazer os TPC enquanto eu não chego a casa””;
  • os alunos devem identificar as áreas do trabalho que não conseguiram realizar e pedirem ajuda específica. A reação dos pais deverá ser de incentivo (“Ainda bem que detetaste que precisavas de ajuda”) e não de humilhação (“O quê? Isto é tão simples e não és capaz de fazer?”);
  • os pais precisam de criar um ambiente familiar onde a criança se sinta à vontade para se enganar e para arriscar, porque sabe que não está a ser imediatamente avaliada;
  • é aconselhável os pais darem um feedback claro do que é possível melhorar, com indicações concretas. É péssimo dizer “Fazes tudo mal” ou “Isto está ótimo, está excelente” quando não está;
  • o ideal era que as crianças não fossem apoiadas sempre pelo mesmo agente familiar. “Uma das vantagens do TPC é a criança ganhar autonomia e pedir ajuda a diferentes pessoas. Não há mal nenhum em incitá-la a conversar com o irmão, telefonar ao primo ou perguntar ao avô”.
Dulce Gonçalves apresenta uma proposta final: “É muito importante os pais darem feedback à escola. Se as crianças ficam duas e três horas depois do jantar a fazer TPC, têm que passar essa informação e mostrar que para eles é uma situação completamente descabida”



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