sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Crónicas 10 minutos - Viver o passado para construir o futuro!

Imagem retirada AQUI


Fuga da família real para o Brasil (1808)

Há 204 anos, a família real portuguesa chegava ao Brasil. Inaugurava-se, assim, um novo ciclo na História portuguesa, com a transferência da Corte para a colónia Brasileira. Era a primeira vez que uma família real europeia iria oficialmente residir numa colónia do seu Império. 

Nos inícios do século XIX, a França Napoleónica controlava grande parte do continente europeu. Napoleão queria fechar os portos continentais à Inglaterra e decretou o Bloqueio Continental, contudo Portugal não “aderiu”, por vários motivos, entre eles, a multissecular aliança com os ingleses, a pressão marítima que estes faziam-nos e a uma certa “indecisão” de D. João, Príncipe regente de Portugal (sua mãe, a Rainha D. Maria I enlouquecera), futuro D. João VI. 

Napoleão, após pressão junto da Coroa portuguesa, sem grandes efeitos, mandou invadir Portugal. Com Junot ao comando das tropas, iniciaram-se as Invasões Francesas de Portugal. D. João, a família real e a corte, começaram a preparar a sua saída de Portugal. Defendia-se, então, que era necessário proteger a Monarquia legítima do nosso país, nem que se tivesse de fazer uma “retirada estratégica”, apoiada pela Inglaterra. 

A 29 de Novembro de 1807, com Junot às portas de Lisboa, a frota da corte portuguesa partia de Belém para o exílio, no Brasil, escoltada por navios ingleses, e no dia seguinte os franceses chegavam à capital. Junot e suas tropas dirigiram-se ainda ao Forte de S. Julião da Barra e dispararam sobre a frota, mas sem sucesso, por isso, ficaram a “ver navios”, expressão que ainda hoje se utiliza. 

A frota portuguesa era comandada por Manuel da Cunha Sotto-Maior e compunha-se de 8 naus, 3 brigues, 1 escuna e 1 charrua, com cerca de 15 000 pessoas. Para salvaguarda da integridade da família real e da linhagem, em caso de ataque, os seus membros foram embarcados em diferentes naus. A população portuguesa só teve conhecimento da saída da família real através de um documento de D. João, no qual, decretara que na ausência do monarca, o país seria governado por um Conselho de Regência, presidido por D. Pedro de Lancastre da Silveira Castelo Branco Sá e Meneses, Marquês de Abrantes. 

A família real levou consigo um espólio de riquezas incalculável, entre elas, uma pepita de ouro, que as tropas francesas tinham ordens para saquear, mas que, felizmente, estava protegida, no camarote de D. João. Apesar disso, muitos bens, ficaram no cais de Belém, sendo roubados, mas os cerca de 60 000 volumes, encaixotados, da Biblioteca Real da Ajuda, que ficaram em terra, seriam posteriormente enviados para o Brasil. Após o reconhecimento da Independência do Brasil, em 1825, a Biblioteca passou a fazer parte da Biblioteca do Império brasileiro, reconhecida pela Convenção Adicional ao Tratado de Amizade e Aliança firmado entre os dois países. Portugal, por esta perda, foi indemnizado em oitocentos contos de réis, mas a enorme riqueza cultural portuguesa ficou para sempre no Brasil. 

A corte portuguesa viajou por cerca de 2 meses, enfrentando as refeições racionadas, as condições sanitárias precárias e o calor que se fazia na zona dos trópicos. O escorbuto (falta de vitamina C) e outras doenças típicas das viagens longas de mar, ceifaram a vida de muitas pessoas. A frota chegou à Baía a 22 de Janeiro e no dia seguinte, desembarcaram os primeiros portugueses fugidos da metrópole. 

No final da viagem, uma enorme infestação de piolhos obrigou a todos a raspar a cabeça, por isso, aquando do desembarque, Carlota Joaquina, esposa de D. João, e suas filhas tinham turbantes rústicos enrolados na cabeça para disfarçar. As damas da sociedade baiana pensaram ser uma moda europeia e aderiram com tal entusiasmo, que até hoje as baianas usam o turbante no seu figurino. 

A fuga da família real marcou um momento de viragem na História de Portugal, com a abertura do Brasil, uma colónia, ao comércio internacional e, com isso, abriu-se o percurso rumo à Independência merecida. A saída da família real portuguesa foi uma forma de proteger a linhagem e a soberania real, contudo, nem todos os portugueses a encararam bem. Durante anos, D. João foi visto como um fraco, que fugiu das responsabilidades e que não defendeu o que era seu, contudo sabemos hoje que, assim, D. João protegeu a legitimidade monárquica e conseguiu salvar muitos bens dos franceses. Foi o melhor? Isso nunca saberemos, mas os portugueses resistiram, com ajuda britânica, a 3 invasões francesas, mostrando a sua capacidade de defesa. 

Hoje em dia, os nossos dirigentes estão também reféns da pressão estrangeira, as decisões são tomadas sem se lembrar dos portugueses e das suas dificuldades. Muito se fala de cumprir o deficit e as “ordens” da Troika, mas e o povo?? Estamos numa encruzilhada…onde não se vislumbra futuro. 

É preciso viver o passado para construir o futuro! 
Francisco Miguel Nogueira 

P.S. Esta crónica estará em destaque aqui blogue para dar oportunidade de todos os visitantes de darem a sua opinião sobre a mesma. A sua opinião é importante, PARTICIPE! 

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17 comentários:

  1. E sea capital portugues tivesse continuado no Brasil? E sea caoital portuguesa tivesse rodado por outras cidades ultramarinas?Como estaríamos hoje melhor? ou pior?

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  2. Como sempre um texto vivaz e interessante, como nos tens acostumado. Gosto da crítica final, vê-se que estás atento ao que nos rodeia. Parabéns amigo.

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  3. Ana Cristina Parreira20 de janeiro de 2012 às 11:08

    Interessante e bem escrito como sempre. Adorei a curiosidade dos turbantes das baianas

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  4. obrigado ó senhor professor cronista eheh :D

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  5. Outra crónica de tirar o fôlego! meu amigo, nao sei onde te inspiras, mas escreves cada vez melhor. Sempre achei curiosa a história da fuga dos reis, deixando os portugueses á espera dos franceses e perdidos, tal como sentimos hoje. Gostei do teu retrato da atualidade. Espero que os políticos leiam e aprendem contigo. Já agora, lembras-te daquela frase que adoravas da D. Maria?
    Bom trabalho amigo.

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  6. Este é um dos meus momentos preferidos da história de Portugal. Já li inúmeros livros sobre o assunto e não me canso.

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  7. Sem dúvida que é uma época interessante da nossa História...pois Francisco, como estaríamos...lool...bem aninhas, a frase que falas, foi dita por D. Maria I durante o percurso até às naus em Belém: "Não tão depressa! Eles vão pensar que estamos a fugir"...mesmo louca D. Maria nao perdeu os "tinos", sabia que imagem queria deixar aos portugueses...pior pior, foi qd D. João mandou os portugueses receberem os franceses como amigos, qd ele já estava a fugir...enfim
    Sim Márcia, há imensos livros sobre o tema, mas nunca são demais, o tema é fantastico...

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  8. Boa trabalho. Continuas a surpreender-nos com a tua capacidade histórica mas também política.

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  9. Os franceses recebidos como amigos saquearam tudo a que puderam deitar a mão. O que fariam se tivessem sido recebidos como inimigos?
    Os ingleses, os velhos aliados, vieram como amigos, e saquearam as finanças públicas portuguesas de tal modo que só nos fins do secXX se conseguiu acabar de pagar o que eles exigiram como contrapartida do seu apoio na resistência ás invasões francesas.E ainda as participações majoritárias em companhias portuguesas TLP; STCP; dominio do comércio dos vinhos do Porto, etc.
    A retirada para o Brasil foi uma boa jogada politica, mas lá que saiu caro, saíu.

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  10. Sem dúvida que saiu-nos caro, económica, como politicamente...os franceses pilharam e roubaram tudo o que puderam...os ingleses aproveitaram-se da situação, como fizeram ao longo dos séculos com a velha aliança...esta serviu smp os interesses britânicos e nunca os portugueses...e politicamente a abertura dos portos de uma colónia ao comercio internacional, a abertura de escolas, bancos, enfim, de instituições que a nova capital do reino merecia e necessitava, abriu o caminho para a independência e Portugal perdeu assim, um dos melhores portos comerciais do Império, enfraquecendo a economia portuguesa, mesmo que, ao sair do Brasil, D. João VI tenha trazido mto dinheiro, mas o Brasil construiu-se e Portugal nao conseguiu devido às dividas e aos saques estrangeiros

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  11. Boa crónica, cheia de informações interessantes. Falar de uma época tão complexa da História é sempre complicado e conseguiste, sem seres chato e maçudo. Continua!

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  12. Tb ñ pareceu mt honrosa a "saída" de D. João, houve mais uma vez e p ñ variar intervênção inglesa nesta decisão, quase tudo q foi acordado ao abrigo do Tratado de Amizade Luso-inglês, tornou se mau ou desvantajoso p Portugal.. Portugal ficou sem rei e ñ só à mercê dos franceses, mas tb dos ingleses, q ñ mais nos "ajudaram" a ñ ser por interesse próprio, pois os Portos portugueses eram estratégicos p manutenção das linhas marítimas de defesa e p abastecimento... Pode-se dizer q ñ fosse o interesse inglês em manter o aliado "atlanticista" e há mt q ñ teriamos a nossa independência e falaríamos há mts séculos o castelhano... Ñ houve nada de solidário ou honroso em qqr "ajuda" inglesa a Portugal, NUNCA! Se pensarmos bem, os espanhóis tb tiveram o seu rei "refém" dos franceses e ñ foi por isso q perderam todo o património e mt menos a independência, essa foi recuperada em poucos anos... Já nós perdemos mt c este episódio, mtas circunstâncias mudaram após este episódio, ñ só a independência do Brasil, mas tb guerras internas e perda de espólio considerável a favor de franceses, mas ñ só, tb ingleses e brasileiros, outros ainda destruídos na nossa "fratricida" guerra cívil entre apoiantes de D. Miguel e de D.Pedro..uns roubados, outros destruídos na guerra q o nosso rei D. João deixou p trás, com um país à mercê dos ingleses e outra guerra cívil q ajudou a criar entre os seus filhos ... A cobardia dos nossos políticos e o "diktat" da Toika ñ é mais q uma ponte com relação aos erros do passado, repetidos indeterminadamente, especialmente o da nossa dependência endémica do exterior , q nos leva a sistemáticas humilhações e a uma "falsa soberania" q afinal nunca existiu na realidade......

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  13. Como sempre o "Mestre publicou, na uma crónica atual, caminhos para a escolha do leitor, a leitura história. Muitos investigadores e historiadores classificaram D. João, Príncipe regente de Portugal, como um fraco. Digamos que os historiadores mais nacionalistas, em menor número é que tentam apontar para uma acção diplomática importante esta fuga de D. João VI, para o Brasil. È talvez mais óbvio que esta fuga do Rei proporcionou que o avanço para a independência do Brasil fosse acelerada, na minha humilde análise é a única coisa boa que saiu deste contexto.
    Sou daqueles que pensa que efectivamente D. João VI, era um fraco… e que ficou na história de Portugal e Brasil, pela conjuntura política que se vivia na altura… Gostei da crónica
    Salut - ml - 23 Jan.

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  14. Mais um tema controverso da nossa História....quando estudei sempre gostei mt dessa fuga....:)
    Realmente ver essa história depois tantos séculos faz-nos pensar em cobardia, mas quando se está na hora H da decisão nem sempre é fácil optar pelo que se acha mais correcto...
    Ainda hoje em dia assim o é...A nossa História é um vaivém de erros cometidos aos longo dos séculos!!!!!!!!Esta gente nc aprende!!
    Hoje em dia os nossos governantes em vez de fugirem para as colónias fogem para a "colónia europeia", o parlamento europeu, e agora as nossas novas"colónias" são angola e moçambique, em que mts jovens andam a tentar seguir as suas vidas!
    Ainda ontem li algures na net, os políticos de hoje que falam em facilidades laborais e cortes, foram os que cresceram no tempo das vacas gordas ...enfim e agora quem quiser que aguente aos cortes...enfim
    Agora os políticos a fim de evitarem os cortes dos subsídios de férias e natal, criam os suplementos de deslocação!!!!!!!!!!!!Nem sei mais k diga!
    Mas creio e tenho esperança que nos vamos safar;)
    Camarada Francisco és um Escritor e Historiador , como aqueles que já não se via à mts anos..com paixão e entusiasmo pela sua profissão:) e que adora divulgar e transmitir conhecimentos...
    Cada vez que leio as tuas crónicas fico sempre a pensar o que será que vem na próxima:)
    A tua escrita consegue prender um leitor do início ao fim, sempre com vontade de ler mais e mais;)
    Em relação à troika ainda vamos troiká-la daki pa fora hehe

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  15. Ora aí está algo que desconhecia por completo... a parte dos turbantes (contigo, estou sem dúvida sempre a aprender).
    Pelos vistos continuamos a sofrer pressões por parte de outros Países... Infelizmente quem sofre é o Povo e a tradição continua!

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  16. um dos episódios mais vergonhosos da historia portuguesa deixaram o país entregue ao que desse e viesse da invasão napoleónica. escritores brasileiros têm contado a fuga da rainha louca do principe regente e de toda a corte com muita graça e mais trade da independência do Brasil.

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  17. Gonçalo Almiro Matos Costa29 de novembro de 2012 às 06:11

    " Digam ao cocheiro para não ir tão depressa senão ainda vão pensar que estamos a fugir..."

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