Imagem retirada do blog O bebé Filósofo
É uma realidade inquestionável que a “crise” também chegou ao universo das nossas crianças e para isso muito contribuiu a televisão que as bombardeia constantemente com a “crise financeira”, o “IVA”, o “FMI”, a “BOLSA”, o “Rating”. Descobrimos até que fazem arremedos a opinar sobre a política fiscal… «então mãe, não achas que o IVA não devia aumentar, porque assim as coisas ficam mais caras e é pior para toda a gente?»!
Este facto obriga-nos a estar redobradamente atentos não ocultando este registo às crianças para as poupar a preocupações e ansiedades!
Além disso os pais/família têm de assumir uma atitude equilibrada, sensata e ponderada para que a “ansiedade financeira” causada pelas medidas de austeridade, vivenciando um quotidiano, por vezes doloroso, de sobrevivência, não os coloque a si mesmos num estado de preocupação, ansiedade e mesmo de dramatismo que os torne muito menos disponíveis e despertos para as inquietações das suas crianças. É fundamental não esquecer que se deve dar sempre às crianças uma perspectiva de “saída”, de optimismo e positiva em relação ao futuro. Pois para se ter empenho e interesse em crescer com as potencialidades de desenvolvimento como pessoa, é necessário ter uma ideia de “futuro” e não de “beco sem saída”.
Esta atitude proactiva seguramente implica uma reformulação do modelo de vida vigente (baseado no consumo e no “quanto mais melhor”, mesmo que desnecessário), educando os nossas filhos, dando importância mais “ao ser” do que “ao ter”. É óbvio que é necessário aprender a viver em padrões de desenvolvimento diferentes, outras formas relacionais de vida, com maior enriquecimento pessoal, sem ser necessariamente à custa do consumo exagerado de bens materiais.
É necessário reformular hábitos, saber, em total partilha e envolvimento das crianças (explicando de maneira adaptada às suas idades, desdramatizando as arestas mais agudas) estabelecer um plano de despesas e gastos, estabelecendo prioridades e banindo o que é supérfluo. Esta atitude não significa um empobrecimento da vida relacional, afectiva, social e cultural, bem pelo contrário.
Por paradoxal que possa parecer, as “crises” em geral obrigam-nos a repensar os projectos de vida e a encontrar soluções mais criativas e eventualmente mais satisfatórias. Assim, é fundamental que os Pais/Famílias evitem dar uma dimensão catastrófica da vida, oferecendo sempre a ideia de que há um “futuro” para o qual há uma saída, reforçando o conceito que o ser humano é dotado de uma capacidade de adaptação às adversidades, ultrapassando-as. Deve ser dado relevo a que as pessoas/famílias podem sair destas crises (quando superadas com equilíbrio) com aumento das suas competências relacionais, sociais e culturais.
Contudo não deve ser esquecido que existem situações de extrema pobreza, degradantes sob o ponto de vista humano, que conduzem à exclusão social e que obrigam necessariamente a desencadear medidas concretas de ajuda, nomeadamente pelos órgãos de decisão (Estado/Governo), dotando as famílias de meios que lhes permitam sair desta situação humilhante socialmente. Além disso, deve ser fomentada uma cultura de cidadania, com sociedades solidárias e preocupadas com “o outro” que necessita de ajuda.
Como explicar a crise às crianças
A crise deve ser explicada às crianças com verdade, de uma maneira simples e perceptível para o seu grau de compreensão, sem dramatismos desnecessários ajudando a fazer opções, sempre com o seu envolvimento e partilha nas decisões. É fundamental explicar que a impossibilidade de comprar coisas que não são prioritárias não é uma catástrofe, pois há crianças que podem vivenciar estas opções angustiadas pela ameaça de “ruína” (todos nós já vivemos com menos bens de consumo e não nos angustiámos e envolvemo-nos com a vida com alegria!).
Obviamente que o “aperto” financeiro dos pais pode ser motivo de ansiedade entre os mais novos se os pais projectarem sobre os filhos as suas inquietações, angústias e a ansiedades.
Os pais com a vida pessoal e profissional tão intensa e exigente, a quem resta pouco tempo para partilhar com os filhos, é frequente que, numa atitude de desculpabilização e compensação “comprem” os filhos, oferecendo-lhes bens materiais, a maior parte das vezes desnecessários. Como nesta época de crise a capacidade de compra diminuirá consideravelmente, podem agora os pais explorar outras abordagens, encontrando maior disponibilidade de tempo para o envolvimento afectivo e emocional com os seus filhos.
*Deolinda Barata é pediatra e presidente da Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria.
Créditos: O bebé filósofo
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